![]() Suposto estupro em programa da Globo provoca denúncias e inquéritos no Ministério Público e só pode ser julgado na Justiça. Novo marco regulatório para rádio e TV deixado pelo governo Lula propunha agência de regulação de conteúdo como há na Europa, modelo com sanções mais ágeis. Militantes pela democratização da mídia usam episódio para pressionar governo Dilma.
O debate sobre uma nova lei para
empresas do setor de radiodifusão (emissoras de TV e rádio), que garanta
democratização e regulação de um serviço que afinal é concessão
pública, ganhou impulso com a polêmica gerada pela suspeita de estupro
de uma participante do programa Big Brother Brasil (BBB), da TV Globo.
Desde segunda-feira (16), as redes
sociais, redutos de militantes defensores da democratização da mídia,
foram dominadas pela discussão do caso do participante do BBB que, com
uma colega alcoolizada e “apagada”, movimentou-se sob o edredon que
cobria ambos de uma forma que levou o público desconfiar de ato sexual.
Circulam petições online pela
responsabilização da Globo, propostas de campanha contra empresas
patrocinadoras do BBB e a convocatória de uma manifestação contra a
emissora para sexta-feira (20).
Em suma, uma polêmica tão aberta quanto o
sinal da maior emissora do país, embora só quem seja assinante de TV
paga é que tenha visto a transmissão do suposto crime.
Secretária-geral do Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação (FNDC) e membro do Conselho Nacional de
Psicologia, Roseli Goffman acredita que a responsabilidade da emissora
no episódio está muito clara.
“Ainda não há como saber se houve
estupro, porque isso exige investigações. Mas é claro que houve um
assédio muito intenso. E a emissora tinha, sim, como prever isso,
considerando que realizou intensas entrevistas para definir o perfil dos
participantes, antes de confiná-los em um local em que teriam que
dividir as camas e estariam expostos a grande quantidade de álcool”,
afirma.
Nesta terça-feira (17), militantes da
Rede Mulher Mídia e de outras organizações feministas decidiram entrar
com representação no Ministério Público Federal cobrando apuração de
responsabilidades da Globo, enquanto o MPF em São Paulo anunciava a
abertura de investigação do caso com foco em "violação aos princípios
constitucionais da Comunicação Social e ofensa aos direitos da mulher".
Na véspera, a Secretaria de Políticas
para Mulheres, órgão do governo federal, havia solicitado ao Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro, onde está a sede da Globo, que
"tomasse providências", mas aí com foco na violação de direitos da
mulher.
“O acusado [de estupro] já está sendo
investigado pela polícia, mas a emissora não”, diz a jornalista Bia
Barbosa, pesquisadora e militante do coletivo Intervozes, entidade que
integra a Rede Mulher Mídia.
A representação da Rede questiona o que
seria uma tentativa da Globo de omitir a ocorrência do fato, ao não
relatá-lo à suposta vítima, e de retardar a apuração dos fatos, o que
pode, inclusive, ter prejudicado as investigações policiais.
Segundo Bia, a Justiça é a única
instância que pode cassar a concessão da emissora. Ao ministério das
Comunicações cabem sanções administrativas, que poderiam ter tomadas de
forma mais rápida e eficiente se o Brasil, como outros países, possuísse
um órgão regulador dos meios de comunicação. Mas o Código Brasileiro de
Telecomunicações, de 1962, não prevê a existência de um órgão
regulador.
Agência de conteúdo
Um projeto de novo marco regulatório foi esboçado no segundo governo Lula e propunha criar uma nova agência, paralela à de Telecomunicações (Anatel), para cuidar só de conteúdo.
Num cenário destes, existente em países
como Portugal, o "caso BBB" poderia ser apreciado pela agência de
conteúdo. Desde a posse da presidenta Dilma Rousseff, porém, o projeto
está no ministério das Comunicações, que não tem simpatia pela criação
de outro órgão.
“O novo marco regulatório defendido
pelos movimentos detalharia com mais precisão as sanções para casos de
infração, porque o atual é muito defasado e prevê que somente a Justiça
possa cassar concessões de canais de rádio e TV", afirma Bia. "Já o
órgão regulador, que também é uma das bandeiras da luta dos movimentos,
possibilitaria que sanções e até mesmo medidas preventivas fossem
tomadas com mais agilidade.”
Mas, apesar das limitações impostas pela
legislação, Bia acredita que, caso a responsabilidade da Globo seja
comprovada, a cassação da concessão da emissora poderia até ser uma
consequência discutida. “Por enquanto, não podemos antecipar que foi um
crime porque as denúncias exigem apuração rigorosa”, explica.
Para Roseli Goffman, o episódio
reforçaria também a necessidade de um debate ainda mais polêmico, a
proposta de “controle social” da mídia por meio de um conselho nacional
de comunicação e de similares regionais.
O uso da expressão "controle social" é
uma armadilha política para os militantes da democratização da mídia,
pois ajuda a alimentar o discurso dos opositores da proposta (emissoras e
seus porta-vozes políticos) de que se trata de censura disfarçada.
“A TV é um componente essencial na
educação do brasileiro. E não são esses valores, de glamourização do uso
exagerado do álcool e de apologia à violência do sexo não consentido,
por exemplo, que queremos passar para nossas crianças”, critica a
psicóloga.
A secretária-geral do FNDC acredita
também que o caso deveria forçar o Supremo Tribunal Federal (STF) a
decidir logo sobre uma ação da Associação Brasileira de Emissoras de
Rádio e Televisão (Abert) que tenta proteger filiadas de punição quando
não respeitarem a classificação indicativa dos programas (informar a
idade mínima adequada para que se assista ao programa). O julgamento no
STF foi interrompido quando havia quatro votos (são 11 no total) a favor
da Abert.
“Se não houver penalização, as emissoras
não respeitarão as classificações indicativas, que terão mais razão de
existir”, justifica Roseli, alegando que o instrumento já é muito mal
utilizado no Brasil. O BBB, por exemplo, possui classificação indicativa
para a faixa etária superior a 12 anos.
Fonte: Por Najla Passos na Carta Maior
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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
Sem novo marco da mídia, 'caso BBB' só está ao alcance da Justiça
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